Tudo sobre a confusão jurídica, que se instalou na Série C, com base no CBJD, no
estatuto da FIFA e do estranho acordo assinado entre CBF e Rio Branco-AC
O
caso Treze-PB x Araguaína-TO x Rio Branco-AC
O Código
Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) prevê em seu artigo 231 que:
Art. 231. Pleitear, antes de
esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva, matéria referente à
disciplina e competições perante o Poder Judiciário, ou beneficiar-se de
medidas obtidas pelos mesmos meios por terceiro.
PENA: exclusão do campeonato ou
torneio que estiver disputando e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00
(cem mil reais).
DENÚNCIA
O descumprimento do Código por parte
da CBF durante o Campeonato da Série C em 2011, com a guarida do STJD (Superior
Tribunal de Justiça Desportiva), foi um dos fatores que provocou a confusão
atualmente instalada nas Séries C e D, que estão suspensas por conta de recurso
judicial impetrado pelo Treze-PB na Justiça Comum na Paraíba e pelo apelo de
liminar do Santo André-SP ao STJD.
Ainda na primeira fase da Série C
2011, com o objetivo de derrubar um veto da Procuradoria de Defesa do
Consumidor à emissão de laudo liberatório para acesso do público à Arena da
Floresta, o Ministério Público do Acre obteve liminar liberando o estádio,
beneficiando tanto o Rio Branco-AC, que disputava a Série C, como o Plácido de
Castro-AC, que disputava a Série D. Os clubes puderam voltar a mandar jogos da
Série C na Arena da Floresta mas a CBF, acusando o Rio Branco-AC de acionar a
Justiça Comum antes que fossem esgotadas as vias desportivas, excluiu o clube
da Série C 2011. Sendo assim, o time foi eliminado da competição e foi o
lanterna da chave, em que, dentro de campo, acabou como time de melhor índice
técnico.
Diante do impasse, e sob risco de
eliminação do campeonato, o Rio Branco costurou o acordo mostrado abaixo com
CBF e retirou o recurso que interpôs na justiça comum do Rio de Janeiro para
evitar a eliminação decidida pela CBF. Quando tal acordo foi assinado, o
campeonato já estava em sua segunda fase e o Rio Branco-AC, estranhamente, foi
eliminado da fase e não do campeonato, decisou que acabou prejudicando o
Araguaína-TO, que acabou rebaixado para a Série D por ter sido o pior time
dentro de campo na primeira fase.
Fonte: site Maiorais
O Estatuto do Congresso da FIFA prevê em seu
capítulo IV - Integridade do esporte:
9. Princípio do acesso e decesso
(rebaixamento)
1. A elegibilidade de um clube a
participar de um campeonato em uma liga doméstica deve depender principalmente
do mérito desportivo. Um clube pode qualificar-se para a disputa de um
campeonato de uma liga doméstica por permanecer em uma certa divisão ou
por ser promovido ou rebaixado para outra ao final de uma temporada.
(...)
4. Cada Membro é responsável pela
decisão de problemas de âmbito nacional. Tal decisão não pode ser delegada à
Liga. Cada Confederação é responsável (...). FIFA é responsável por decidir
problemas internacionais envolvendo mais de uma Confederação.
O termo Membro, conforme
glossário do estatuto, refere-se à Federação filiada, no caso, a CBF. A CBF é
portanto soberana no tocante às questões de acesso e decesso envolvendo clubes
à ela filiados e também no tocante às competições por ela organizadas, não
cabendo interferência da FIFA nestes casos, ao contrário do que chegou a
publicar o site Justiça Desportiva em 24 de maio de 2012. O fato
foi confirmado por consulta do Globo Esporte PB e também pelo Lancenet.
Sob os recursos à Justiça Comum, o
Estatuto do Congresso FIFA 2011 prevê:
64. Obrigação
(...)
2. Recorrer a tribunais da justiça
comum é proibido a menos que especificamente permitido em regulamentos FIFA.
3. As Associações (grifo nosso: no
caso, a CBF) devem inserir uma cláusula nos seus estatutos ou regulamente
estipulando que é proibido levar disputas na Associação ou disputas afetando
Ligas, membros das ligas, clubes, membros dos clubes, jogadores, Oficiais para
cortes da justiça comum, a menos que os regulamentos FIFA ou disposições
jurídicas vinculadas especificamente prevejam ou estipulem a permissão
para recorrer a tribunais da justiça comum. Ao invés do recurso aos tribunais
da justiça comum, deve-se prever a possibilidade de arbitragem. Tais disputas
devem ser levadas a um tribunal de arbitragem independente e devidamente
constituído reconhecido sob as regras da Associação ou Confederação ou ao CAS.
As Associações devem também
assegurar que o aqui estipulado esteja implementado na Associação, se
necessário pela imposição de uma obrigação vinculativa a seus membros. As
Associações devem impor sanções a qualquer parte que falhar em respeitar esta
obrigação e assegurar que qualquer apelação contra estas sanções devam
similarmente ser estritamente submetidas a arbitragem, e não a tribunais da
justiça comum.
Entendemos que o CBJD em seu artigo
231 estipule "a permissão para recorrer a tribunais da justiça
comum". Ademais, o CBJD não prevê em seus dispositivos previsão de corte
arbitral nacional com ascendência para este tipo de recurso. Desta forma,
esgotada que estava a instância da Justiça Comum, pela negação do recurso pelo
presidente do STJD, restou ao Treze-PB recorrer, em seu direito, à Justiça
comum.
O Treze tentou protestar contra o
acordo, aparentemente ilegal assinado entre a CBF e o Rio Branco, mas teve ação
julgada improcedente por parte do STJD e então conseguiu via Tribunal de
Justiça da Paraíba (TJ-PB) uma liminar que o garante na Série C. A decisão
assume que o Treze, quinto colocado na Série D 2011, faz jus à vaga na Série C
2012 pelos fatos de que o Rio Branco-AC deveria ter sido eliminado por ter sido
beneficiado por decisão da Justiça Comum e que o Araguaína-TO teria sido o
clube a ser rebaixado por pior performance técnica.
Contra o Treze-PB pesa o fato de o
regulamento da Série C 2011, prever apenas o decesso do pior time de cada grupo
na primeira fase e de o regulamento da Série D do mesmo ano prever que apenas
os 4 melhores daquele campeonato teriam direito ao acesso e, apenas por este
motivo, entendo que o Campeonato Brasileiro da Série C, no tocante a esta
questão, deveria ser disputado pelo Araguaína-TO, que em cumprimento ao
regulamento de 2011 (queda de um time por grupo), não deveria ter sido
rebaixado, e não pelo Treze (como quinto colocado da Série D 2011 não faz jus à
vaga) e Rio Branco-AC (beneficiado por decisão da Justiça Comum).
O mesmo CBJD prevê em seu artigo 111
a aplicação de penas de suspensão, desfiliação ou desvinculação. Notem que as
mesmas só serão aplicadas após decisão definitiva da Justiça Desportiva, o que
não é o caso da liminar emitida na semana passada pelo Presidente do STJD a
pedido do Santo André.
Art. 111. A imposição das sanções de
suspensão, desfiliação ou desvinculação, pelas entidades desportivas, com o
objetivo de manter a ordem desportiva, somente serão aplicadas após decisão
definitiva da Justiça Desportiva.
§ 1º No mesmo despacho, assinará ao
atleta, à entidade de prática ou entidade de administração do desporto a que
pertencer e aos demais responsáveis, quando houver, o prazo comum de cinco
dias, para oferecer defesa escrita e as provas que tiver.
Além disso, os signatários do acordo
por parte da CBF, em minha opinião, deveriam, no mínimo, ser afastados do
esporte, pela confusão criada e pela chancela a um acordo notoriamente ilegal.
São eles: Rubens Approbato Machado, presidente do STJD; Carlos Eugênio Lopes,
diretor jurídico da CBF e Ricardo Teixeira, presidente da CBF. No nosso
entendimento, o Congresso da FIFA não tem poder para desfiliar ou suspender
clubes, ao contrário do informado no site Justiça Desportiva.
Este tipo de pena só se
aplica a membros:
Capítulo 9 - Admissão, suspensão e
expulsão do documento:
O Congresso deve decidir a respeito
da admissão ou expulsão de um Membro.
Membro: uma Associação cuja filiação
à FIFA foi aceita pelo Congresso - grifo nosso: ou seja, quem pode vir a ser
expulso pelo Congresso da FIFA é a CBF e não clubes.
(...)
(...)
Capítulo 13 - Obrigação dos Membros
1. Membros têm as seguintes
obrigações:
(a) obedecer plenamente aos estatutos, leis, diretivas e
decisões das entidades da FIFA em qualquer época assim como às decisões da CAS,
frutos de apelação de acordo com o especificado no artigo 62,§1° dos estatutos
da FIFA.
(...)
(g) Gerenciar seus assuntos indepedentemente e assegurar que
os mesmos não sofram interferências de partes terceiras. (artigo repetido
também no CAp. 17 §1°)
2. Violação das obrigações
acima por qualquer membro pode acarretar na aplicação das sanções
previstas nestes estatutos.
3. Violaçação do especificado no
artigo 62,§1°pode também resultar em sanções ainda que a influência de uma
terceira parte não tenha ocorrido por culpa do membro afetado.
O acordo assinado pela CBF com o Rio
Branco-AC, é, em nossa visão, suficiente, para que a CBF, como entidade-membro,
seja desfiliada da FIFA por não haver tido sucesso em cumprir o previsto no
item 13.g. Daí o desespero da CBF em suspender os campeonatos das Séries C e D
para tentar arrumar a casa.
O
CASO BRASIL-RS x SANTO ANDRÉ-SP
Ainda no início do Campeonato
Brasileiro da Série C de 2011, o Brasil-RS foi punido por conta da escalação
irregular do lateral-direito Cláudio, que havia disputado a Série C-2010 pelo Ituiutaba
(MG) e tinha sido expulso na última partida daquele campeonato, a decisão
contra o ABC-RN. O time gaúcho, que o contratou no ano seguinte, e o próprio
jogador não atentaram para o que determina o CBJD:
Art. 171. A suspensão por partida,
prova ou equivalente será cumprida na mesma competição, torneio ou campeonato
em que se verificou a infração.
§ 1º Quando a suspensão não puder ser cumprida na mesma
competição, campeonato ou torneio em que se verificou a infração, deverá ser
cumprida na partida, prova ou equivalente subsequente de competição, campeonato
ou torneio realizado pela mesma entidade de administração ou, desde que
requerido pelo punido e acritério do Presidente do órgão judicante, na forma de
medida de interesse social.
(...)
Art. 214. Incluir na equipe, ou
fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular
para participar de partida, prova ou equivalente. (Redação dada pela Resolução
CNE nº 29 de 2009).
PENA: perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória
no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova
ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil
reais).
§ 1º Para os fins deste artigo, não
serão computados os pontos eventualmente obtidos pelo infrator.
Julgado pelo STJD, O Brasil perdeu
seis pontos no STJD e acabou rebaixado na primeira fase da Série C 2011 apesar
de, em campo, haver conquistado mais pontos que o Santo André-SP. O clube alega
que o atleta Cláudio não pôde apresentar defesa por não ter sido notificado do
julgamento. A decisão, no entanto, foi confirmada no Pleno do STJD.
O CBJD prevê que:
Art. 51-A. Se a pessoa a ser citada
ou intimada não mais estiver vinculada à entidade a que o destinatário estiver
vinculado, esta deverá tomar asprovidências cabíveis para que a citação ou
intimação seja tempestivamente recebida por aquela. (Incluído pela Resolução
CNE nº 29 de 2009).
Parágrafo único. Sujeitam-se às
penas do art. 220-A, III, a entidade que deixar de tomar as providências mencionadas
nocaput, salvo se demonstrada a impossibilidade de encontrar a pessoa a ser
citada ou intimada. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
PENA: multa, de R$ 100,00 (cem
reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), com fixação de prazo para cumprimento
da obrigação. (Incluído pela Resolução CNE nº29 de 2009).
O Brasil acionou o TJ-RS, que
concedeu uma liminar, alegando que Cláudio não foi notificado pelo Ituiutaba-MG
do julgamento e da punição. Na sexta-feira, a CBF acatou e colocou o clube no
Grupo B, substituindo o Santo André.
O Santo André-SP, por sua vez, impetrou, e
teve acatado, pedido de liminar pelo STJD, que acabou suspendendo o campeonato
brasileiro das Série C e D. O TJ-RS chegou a propor uma audiência de
conciliação e um acordo pelo qual o Brasil desistiria da luta pela vaga em
2012, mas teria direito a um lugar em 2013 ou 2014, além de compensação
financeira. Como a CBF não compareceu à audiência de conciliação, a diretoria e
departamento jurídico do Brasil-RS resolveram brigar pela vaga ainda no
campeonato de 2012, embasados pela decisão judicial de primeira instância.
A CBF foi a Brasília tentar derrubar
a liminar do Brasil de Pelotas, mas o STJ indeferiu o pedido. A ação fica
restrita ao TJ-RS. Ressalte-se que o Brasil-RS recorreu à Justiça Comum apenas
após ter esgotado no STJD suas possibilidades de recurso e que, em nossa
opinião, o clube luta legalmente por um direito que alega ser seu.
Já o Santo André-SP parece ter se
precipitado e ao invés de recorrer ao STJD, recorreu também à Justiça Comum do
Rio Grande do Sul. De acordo com o site do Brasil-RS. em 23 de maio, o E. C. Santo André
ingressou na Justiça Comum, sem esgotar as instâncias desportivas, objetivando
ser reincluído na Série C do Campeonato Brasileiro 2012.
No dia seguinte, entretanto, obteve decisão desfavorável, mantendo-se, assim, em plena vigência a decisão que garantiu o Grêmio Esportivo Brasil na competição. Abaixo, a informação do Mandado de Segurança impetrado pelo E.C. Santo André na justiça comum.
No dia seguinte, entretanto, obteve decisão desfavorável, mantendo-se, assim, em plena vigência a decisão que garantiu o Grêmio Esportivo Brasil na competição. Abaixo, a informação do Mandado de Segurança impetrado pelo E.C. Santo André na justiça comum.
Neste caso, a princípio, a punição
por violação ao artigo 231 do CBJD deveria recair sobre o Santo André-SP, que
deveria ter resistido à tentação e não recorrido à Justiça Comum e a punição ao
Brasil ou ao Ituiutaba-MG deveriam ser pecuniárias e não de perda de pontos.
Quanto ao mérito da questão, resta ao Brasil-RS conseguir, em outra instância,
demonstrar que o jogador Cláudio não foi notificado do julgamento. Já o Santo
Andre, se o STJD mantiver as atitudes tomadas até então pode também punir o
Santo André assim como teria feito com o Treze.
CONCLUSÃO
No momento, parece-nos estranha a
possibilidade de desfiliar Treze-PB e Brasil-RS conforme chegou a ser anunciado
por alguns sites. De acordo com os estatutos da FIFA, a CBF, que criou o
imbróglio jurídico, é quem vai ter que resolver a situação. A esta altura do
campeonato, qualquer que seja a decisão, o mal maior já está feito. A credibilidade
que a Série C havia amealhado ao longo dos últimos anos foi por terra graças a
decisões políticas e ilegais tomadas fora de campo. É uma pena.
Comentários