AZOCAR - O Dirigente Sem Igual - Parte 1

Novas idéias para o esporte mineiro
Já faz tempo que desejo escrever sobre um homem, que deixou marcas positivas na minha vida, além, é claro, do meu pai.
Tenho um filho, ainda adolescente, mas que aos poucos, também vai registrando sua personalidade na minha vida.

O homem que eu quero destacar aqui, foi pai, irmão, avô, mas se destacou em outro campo da vida – o futebol profissional.
Há muito tempo tento deixar a emoção de lado, e  escrever sobre um dirigente de futebol, que para muitos, foi 'além' – digo mais – foi sem igual.

O nome dele é José Rodolfo da Cunha Azocar(foto) – carinhosamente apelidado por Cabeça.
Amigo de meu saudoso pai, o cabeça foi quem me fez criar e aprender algumas “manhas” no futebol profissional.

Como tudo começou
Um dia , eu já com filho de meses de vida, em dificuldades financeiras, mas mantendo a dignidade pessoal, fui buscando contatos para um possível emprego, e sanar tal situação.

Um telefonema para minha casa foi a grande surpresa, em agosto de 1995:

- Alô!
Respondi : com quem gostaria de falar?
- Com o Beto .
Respondi – Sim, sou eu.
- Aqui é o Azocar, mas o do GE Brasil( Azocar era irmão do Álvaro, do Pelotas). 
Gostaria de conversar contigo, sobre uma possibilidade de trabalho.

A surpresa me veio em cheio. Azocar era muito amigo de Giovane Mattea, o qual tinha uma grande distribuidora de bebidas, e havia a possibilidade de me colocar na empresa para trabalhar.
O Cabeça, então, me chamou antes para me apresentar a ele, no Estádio Bento Freitas, para me explicar como eu faria.

Chegando lá, encontrei-o na sala da direção, junto com técnico Ceará, que havia deixado o cargo de preparador físico para assumir o comando da equipe xavante.
Na conversa, o dirigente me questionou sobre várias idéias e outros pensamentos sobre futebol. 

Ali, sentado, Azocar me disse a seguinte frase :
- "Não irás mais te apresentar no Mattea. Tenho outra proposta para ti."

O, com era chamado pelos familiares, me fez outra surpresa. 
“Sei que és formado em Educação Física, e agora o Brasil precisará de um profissional novo. O Ceará será nosso técnico, e tenho a certeza que irás corresponder."

Fiquei sem saber o que dizer naquele instante. Apenas sabia que não poderia faltar com a verdade para o dirigente.
- 'Seu Azocar - repondi - eu nunca trabalhei no futebol profissional, nem tenho experiência.'

Intuição ou Clarevidência?
O Cabeça tinha uma coisa muito peculiar – algo semelhante a uma clarevidência, capaz de orientá-lo nas coisas inesperadas.
- "Não te preocupas. O Brasil foi rebaixado no Gauchão, e não tem mais nada para perder esse ano. Vamos jogar a Copa João Giuliane Filho, e o que der certo será a teu favor. Não tens nada a perder."

Saí do estádio com uma sensação de peso nas costas.
Como encarar a grandeza do clube da Baixada , a pressão da torcida e imprensa, sem a experiência necessária?
De algum modo o Azocar sabia que eu tinha uma chance. Apostou em mim, talvez pelo carinho e amizade com meu saudoso pai. Seja o que tenha sido, eu nunca perguntei à ele.

Assumi a “bronca”. 
Precisava sustentar minha família, e dei meu máximo em campo.
Saia e retornava de casa a pé. Andava 40 minutos até a Baixada, e mais 40 minutos de volta, após o cansaço dos trabalhos,  todos os dias. Não tinha carro. Grana curta. Mas a fé e a determinação , que sempre regraram minha vida, eram o suficiente para me levarem até lá, e motivar meus atletas a cada trabalho.

Fiz bons amigos
Pablo, Dido, Marquinos Brizolara, Cássio, Silva e o atual técnico xavante – recém chegado ao time – Luizinho Vieira, são alguns dos bons nomes que lembro agora.

Nos treinamentos, as vezes, tinha que ouvir aquela frase muito comum dos jogadores, quando sentem o trabalho intenso :
- Professor, “água demais mata a planta” – num sentido de me pedir para aliviar o treinamento.

Quase sempre eu tentava mostrar a eles que isso faria toda a diferença em campo - num pique a mais, num salto maior que o adversário, e até mesmo  para a “perna ficar boa” na hora do drible e do chute para as redes adversárias.

Sem Tecnologia
Confesso, que nem tudo era tão calculado , tecnicamente, quanto os dias atuais. Não havia computador, internet, celular(apenas raros modelos), nem MSN, tweeter, e tudo aquilo que pudesse auxiliar na pesquisa de dados para aplicar no campo. Mas para os adversários, também não ! Portanto, era somente através de muito trabalho que as coisas aconteceriam.

O "Feeling"
Esse sempre foi um índice que apliquei nos meus trabalhos.
A capacidade de observação no ritmo, na fala, entre outras ações do grupo de trabalho, me auxiliavam na monitorização e feedback dos treinos desenvolvidos.

Livros? 
Sim, isso sempre foi um referencial. Nada era criado do nada. Mas até formatar um método, levei certo tempo.
Aos poucos o gelo foi quebrando e o trabalho evoluindo.

Naquele ano, o GE Brasil iria jogar pela primeira vez, a Série C do Brasileiro. Paralelamente, a Copa FGF – João Giuliane Fº. Como equalizar todo aquele trabalho? (Será abordado em outro texto)
Não se vence sozinho no futebol
Não havia auxiliar técnico, nem de preparação física. Contei muito com um bom entendimento com os jogadores, apoio do novo técnico – Vacaria , e do treinador de goleiros ,o  Passarinho, para resolver e ajustar alguns trabalhos.

E assim foi o semestre ... Com vitórias construindo nosso resultado e a confiança no meu trabalho, superando muitas dificuldades , como a falta de melhor estrutura logística, de fardamentos, e material para ampliar o trabalho da preparação física. Muita aplicação, vontade e leituras até as madrugadas, me faziam seguir em frente.

E o 'Cabeça'?
Claro, que  jamais deixou de trocar idéias comigo. Fazia perguntas, por vezes provocativas, para sentir minha atitude de reação, sobre alguma dificuldade que estivesse no caminho.
Conselhos, risadas, conversas gerais e até de tom mais intenso me ajudaram muito na realização do trabalho.

Ao final do ano, pude guardar uma ‘Taça no Armário’, colocar uma ‘Faixa no Peito’, e dar a ‘Volta Olímpica’ no Bento Freitas lotado, juntamente com todo o grupo de atletas e demais profissionais, resultado este,  conquistado pela dedicação de todos nós no dia a dia.

A saudade e a ausência do Azocar são sentidas até hoje.
O nosso futebol ficou um pouco pobre sem a experiência e carisma do Cabeça. Mas como ele mesmo falava, era para seguir em frente e nunca desistir:
 –  “No futebol se vive 24 horas e tem que se trabalhar muito se quiser vencer, guri

Obrigado, meu amigo ! 
Nada disso existiria sem a tua oportunidade oferecida!

Saudade ... até uma próxima!

Beto Vetromille


Comentários